19/06/17

Ganância extrema. Uma explicação simples. II

O incêndio que terá morto cerca de 62 pessoas em Pedrógão Grande, tem uma explicação simples, sintetizável numa só palavra: desprezo.

Desprezo pela vida dos outros sobretudo se esses são os mais pobres. Desprezo que é directamente proporcional à ganância que anima os agentes cuja intervenção possibilita este tipo de tragédias.

O desinteresse a que os sucessivos governos promoveram o equilíbrio ecológico da floresta, e a sua aposta na visão da floresta como fonte de lucro imediato levaram a que os incêndios se tenham tornado na maior ameaça pública dos últimos anos.

Não foi por acaso que o partido Os Verdes incluiu, a quando da negociação do seu apoio parlamentar ao actual governo, como uma das sua principais exigências, a reversão da Lei do Eucalipto aprovada pela anterior governo, no que tem sido apoiado principalmente pelo Bloco de Esquerda, e consequente implementação de medidas que permitam parar e reverter a expansão do eucalipto. No entanto, após o ataque cerrado pela industria da pasta do papel à aprovação em Conselho de Ministros duma proposta de lei que substituiria a Lei do Eucalipto, apesar desta pouco mais fazer do que proclamar a necessidade de parar a expansão do eucalipto, o silêncio tem sido ensurdecedor. Aparentemente, a proposta de lei está parada na Assembleia da República, permitindo assim (propositadamente?!...) o plantio de vastas áreas de eucalipto antes da Lei do Eucalipto ser revogada.

Haverá outras medidas, de impacto mais imediato, que ajudarão a minorar o impacto dos incêndios que recorrentemente atingem o território português. Mas são todas meros paliativos enquanto não for reposto o equilíbrio ecológico da floresta portuguesa, revertendo as áreas ocupadas pelo eucalipto e o pinheiro bravo (outra espécie que constitui um perigo quando da ocorrência dum incêndio, devido a também ser altamente inflamável) em favor das espécies de árvores que constituíam a floresta portuguesa antes da sua industrialização. Não só tal floresta era mais resistente à propagação do fogo, como também era muito mais rica em biodiversidade e do ponto de vista económico para as populações locais.

Se o incêndio que devastou Pedrógão Grande foi tão destruidor isso deve-se a razões claramente imputáveis ao homem. Não se tratou de nenhum azar, nem de nenhuma catástrofe natural. Os azares são o que sobra depois de todos terem feito aquilo que é exigido e que o conhecimento técnico possibilita. Como muito bem descreve a Quercus, há décadas que é conhecido o perigo que representa a expansão do eucalipto em Portugal. Perigo sob a forma de enormes incêndios, que se propagam de forma vertiginosa. O eucalipto é a espécie de árvore que desenvolveu mecanismos mais sofisticados de protecção em caso de incêndio, e de maximização da sua reprodução após um incêndio. O eucalipto precisa de incêndios recorrentes para se reproduzir e expandir, pois não consegue crescer facilmente no meio de coberto vegetal. Aliás, é provável que várias características do eucalipto tenham evoluído de modo a fomentar e agravar a ocorrência de incêndios: uma imensa produção de matéria altamente inflamável, que se deposita no solo à espera da mais pequena faísca; casca que, quando em chamas, se solta facilmente, propagando o incêndio até grandes distâncias; óleos altamente inflamáveis que aumentam extraordinariamente a velocidade de propagação dum incêndio, transformando-o numa autêntica tempestade.

Este acontecimento terrível foi, apenas e só, uma consequência de incúrias várias e de um equilibrio funesto, em que de um lado se coloca o lucro que se pode obter e do outro a segurança das pessoas. Fazendo a balança pender assustadoramente para o lado do lucro.

Nota: Este post recupera o título, e adapta parte do excelente texto que o José Guinote aqui escreveu recentemente. Fi-lo porque acho importante estabelecer o paralelismo, para que se torne mais óbvio o padrão comum, que é bem resumido pela última frase, da autoria do José Guinote.

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